SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA
A disponibilidade e variedade de ingredientes pode revelar a eficiência de uma sociedade em toda a cadeia produtiva de alimentos; a identidade religiosa também está totalmente atrelada a aspectos da alimentação, algumas culturas têm restrições alimentares que as identificam (ser hinduísta é ser vegetariano; judeus ou mulçumanos não consomem carne de porco, entre outros).
O comer é também um “saber”, pois se conhece pelo gosto. As palavras saber e sabor originam-se da mesma palavra latina sapere, que significa “ter gosto”. O conhecimento empírico do mundo passa certamente pelo sentido do gosto.
A relação dos alimentos com a saúde, hoje mais que consolidada, aparece em praticamente em todas as culturas desde a antiguidade; não só pelo fato de a abundância ou escassez de alimentos serem decisivas para a sobrevivência humana, mas também pelo tipo de dieta e a explicação médica para a sua utilização ser muito reconhecida e valorizada. Os alimentos e suas propriedades são observados ao longo da história da humanidade; os alimentos-droga (que produzem algum efeito psicoativo), considerados capazes de alimentar não só o corpo, mas também o espírito, foram identificados por nossos antepassados, alguns exemplos são: o álcool, cogumelos alucinógenos. Os alimentos com efeito psicoativo foram considerados alimentos sagrados e divinizados por diversas religiões.
Falando de alimentos e comportamentos alimentares, não só os alimentos-droga podem provocar comportamentos compulsivos. A alimentação em si é a primeira oportunidade de demonstração de autocontrole do ser humano, paradigma importante na aquisição do comportamento moral. Na infância chora-se para conseguir o alimento, dita-se os horários e a frequência da alimentação; mais adiante precisa-se encontrar o meio termo, a quantidade correta e necessária de alimentos.
A sociedade moderna faz do marketing uma ferramenta que pode tornar este autocontrole adquirido muito frágil, não somente em relação à alimentação, mas também a outros aspectos da vida humana, principalmente relacionados ao consumo (roupas, eventos sociais, lazer). A mudança de hábitos, principalmente nos grandes centros econômicos do mundo, muito está relacionado ao aumento da ocorrência de doenças como obesidade, diabetes e problemas cardiovasculares. A cultura do Fast Food é apontada como uma das chaves para a compreensão do perfil da saúde da população de hoje. A corrosão da antiga comensalidade é um dos motivos que leva à substituição da alimentação em casa pela alimentação em redes de lanchonetes e restaurantes, nem sempre saudáveis. O sistema alimentar dos Fast Foods, frequentemente baseiam-se nas carnes, carboidratos simples e gorduras, e vêm gerando importantes problemas de saúde pública.
Os alimentos “valorizados”, que até pouco tempo atrás (e para alguns até nos dias atuais) são considerados símbolos de status são aqueles que se difundiram pelo mundo na época das grandes navegações e expansões marítimas (primeira globalização, no século XVI), quando o açúcar fora talvez o maior destaque. Muitos historiadores seguem as pistas de cada ingrediente para entender desde sua origem até sua aplicação na culinária de cada sociedade e seu significado/símbolo.
Para exemplificar, faz-se menção e um prato símbolo do Brasil: a Feijoada. Muitos têm a feijoada como a fusão das culturas presentes no Brasil recém-descoberto: negros, americanos, europeus. Mas, na verdade, tanto os produtos como as técnicas envolvidas no preparo da feijoada são de origem europeia, mais longinquamente judia.
O feijão preto é americano, levado para a Europa para complementar a alimentação do Europeu, já que associado aos cereais, fornece combinação rica de aminoácidos. Hoje em dia usa-se muito na Europa o feijão branco (também de origem americana) para o preparo de pratos tradicionais, como é o caso do cassoulet (feijoada branca). Anteriores a esses pratos europeus com feijões americanos eram comuns os cozidos de favas. O uso das favas com carnes, linguiças, miúdos, constitui umas das antigas tradições culinárias mediterrâneas. Mas a origem mais remota desse cozido de favas vem de técnicas culinárias judaicas; os judeus, durante o sabá, faziam o prato cozido em fogo lento, permitindo comer a comida quente sem precisar acender o fogo (ação não permitida durante o sabá judaico). Este prato, aparentemente, seria o “tataravô” da nossa feijoada.
No Brasil, os bandeirantes, durante suas longas jornadas, levavam a ração básica de milho com feijão, transportados secos; daí até a famosa feijoada foi uma questão de tempo. A feijoada brasileira é, portanto, a técnica do cozido europeu com o material brasileiro: feijão dos bandeirantes, farinha de mandioca dos índios.
Embora o arroz com feijão seja o prato símbolo da culinária brasileira em todas as regiões, o consumo de feijão vem caindo, é o que indicam as Pesquisas de Orçamentos Familiares (IBGE, 2009). Entre 2002-03 e 2008-09, a aquisição média anual per capita (quanto de um produto a família adquire em um ano, dividido pelo número de pessoas da família) caiu 40,5% para o arroz polido (de 24,5 kg para 14,6 kg); para o feijão, a queda foi de 26,4% (de 12,4 kg para 9,1 kg). A queda do consumo de arroz e feijão é maior conforme maior o rendimento. Paralelamente, observa-se aumento do consumo de refrigerantes e outras bebidas e açucaradas e cervejas (IBGE, 2009).
Além de estar perdendo parte da sua identidade cultural gastronômica, a sociedade atual está ficando menos saudável com a alimentação baseada nos fast foods e nos produtos industrializados, frequentemente ricos em açúcares e gorduras saturadas. Alguns comportamentos alimentares importantes e praticados desde os primórdios também está perdendo-se na correria do cotidiano nas grandes cidades, a própria comensalidade é um exemplo. Realizar as refeições “rapidinho”, no carro, sozinho para poder terminar tarefas importantes no trabalho, algo “fast” e que de preferência seja bem fácil de comer! Muitas vezes a preocupação com a qualidade nutricional fica em segundo plano, refletindo no quadro atual de aumento do excesso de peso e outras doenças crônicas não transmissíveis na população. Resgatar alguns “velhos hábitos” será uma atitude necessária para melhorar a alimentação e consequentemente a saúde do homem contemporâneo.
Fonte:http://www.rgnutri.com.br/sqv/curiosidades/alm.php
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