Durante
muitos anos, fisioterapeutas dedicados à reabilitação de atletas utilizaram os
exercícios em cadeia cinética aberta (CCA), no qual os movimentos são
desenvolvidos com o segmento distal livre, para o fortalecimento da extremidade
inferior. Todavia, uma melhor compreensão da cinesiologia e da biomecânica
proporcionou a atual aplicação dos exercícios em cadeia cinética fechada (CCF),
os quais foram incorporados aos protocolos de reabilitação, principalmente, da
articulação do joelho. Este tipo de exercício envolve movimentos
multiarticulares executados com a extremidade distal fixa.
Algumas
suposições são apresentadas para a utilização de exercícios em CCF do ponto de
vista biomecânico, sugere-se que esses exercícios são mais seguros e produzem
estresses e forças que oferecem menor risco às estruturas em recuperação quando
comparados com os exercícios em CCA. A co-ativação ou co-contração dos músculos
agonistas e antagonistas ocorrem durante os movimentos em CCF, a fim de
proporcionar a estabilização articular. Além disso, os exercícios em CCF são
igualmente eficazes na produção de força no quadríceps femoral, quando se
compara com os exercícios em CCA.
A
co-contração tem sido vista de maneira positiva, como algo necessário para
ganhos em estabilidade dinâmica. Devido a sua aplicabilidade, a mensuração da
co-contração se torna relevante em diversas áreas que têm como foco de
interesse o movimento
humano.
Dentre
os exercícios em CCF, o agachamento, tríplice flexão do membro inferior, vem
sendo considerado efetivo no desenvolvimento da musculatura do quadril, joelho
e tornozelo, por meio do aumento da atividade do quadríceps, isquiotibiais e
tríceps sural. Apesar disso, ele deve ser utilizado cautelosamente nos
indivíduos portadores de alterações patelofemorais (PF) e do ligamento cruzado
posterior (LCP), especialmente nos maiores ângulos de flexão do joelho, ocasião
em que as forças de translação e compressão aumentam nessa articulação.
Durante
o agachamento, a linha de gravidade se desloca posteriormente ao eixo do
joelho, aumentando o torque flexor. Os isquiotibiais promovem uma estabilização
no joelho mediante uma tração posterior na tíbia para contrapor a força
anterior imposta pelo quadríceps. O grau de ativação em que os músculos
isquiotibiais atuam na pelve, provavelmente, depende dos ângulos do joelho e
quadril e dos comprimentos musculares individuais. Dessa forma, a tensão dos
isquiotibiais pode ser aumentada com uma ligeira flexão anterior do tronco, o
que também move o centro de gravidade anteriormente, diminuindo o torque de
flexão do joelho e reduzindo, assim, a força de translação tibial e a
compressão na articulação patelofemoral.
Prosseguindo
o agachamento, um torque de flexão também é criado no tornozelo quando a linha
de gravidade se desloca anteriormente à articulação talo-crural. O sóleo
desacelera a dorsiflexão do tornozelo e cria um torque de extensão no joelho
tracionando a tíbia posteriormente, o que minimiza a força de cisalhamento
anterior nesta articulação. Desse modo, toda a cadeia cinética da extremidade
inferior é recrutada pela aplicação de uma força axial no segmento distal.
Escamilla
et. al. recomenda uma amplitude de 0o a 50° de flexão do joelho para os
exercícios de agachamento utilizados na reabilitação, por se tratar da
amplitude em que ocorrem as menores forças de cisalhamento anterior na
articulação tibiofemoral. Entretanto, experimentos realizados com atletas demonstraram
que os agachamentos com a coxa paralela ao solo (0°-100°) não causam lesões e
instabilidade em joelhos saudáveis. Por outro lado, a utilização de cargas
externas tende a aumentar a força de cisalhamento e, provavelmente, solicita
maior atividade dos estabilizadores dinâmicos da articulação do joelho.
Entender
e comparar as atividades musculares que ocorrem na articulação do joelho
durante o exercício de agachamento é importante para determinar as posições de
melhor equilíbrio muscular, tensão ligamentar e compressão articular. A
atividade eletromiográfica (EMG) tem sido amplamente utilizada em estudos de análise
do movimento humano, com o objetivo de investigar a função muscular, por meio
da aquisição e análise de sinais elétricos produzidos pelos músculos. A
amplitude do EMG estimada pela média do sinal retificado ou pelo RMS (root mean
square) reflete o padrão de recrutamento ou ativação das unidades motoras que
controlam um determinado músculo, havendo uma relação muito próxima do linear
entre o EMG e a força gerada pelo músculo, principalmente, em contrações
isométricas.
O
Objetivo do estudo foi a comparação da atividade eletromiográfica (EMG) dos
músculos reto femoral, bíceps femoral, tibial anterior e sóleo no agachamento,
associando a posição de tronco ereto com 2 ângulos de flexão do joelho (40° e
60°) e a posição de tronco fletido a 45° com 3 ângulos de flexão do joelho
(40°, 60° e 90°). Todas as combinações foram realizadas com e sem acréscimo de
carga (10kg). A amostra foi composta por 12 indivíduos saudáveis com idade de
21,1 ± 2,5 anos e massa corporal de 62,8 ± 7,4kg. O EMG dos músculos citados
foi registrado, isometricamente, em 10 posições de agachamento.
Concluiu-se
que o agachamento é um exercício em CCF, multiarticular, em que ocorre uma
flexão simultânea do quadril, joelho e tornozelo, proporcionando uma
co-contração de diversos músculos, a qual representa um fator importante para a
estabilidade dinâmica. Em concordância com alguns estudos apresentados na literatura,
ocorreu co-ativação muscular significativa entre os músculos reto e bíceps
femoral apenas nas posições com tronco fletido, o que ratifica a necessidade
deste posicionamento do tronco durante a realização dos exercícios de
agachamento proporcionando menores tensões sobre o LCA, principalmente, em
angulações superiores a 60° de flexão do joelho. Adicionalmente, a coativação entre
os músculos reto femoral e sóleo, abre perspectivas para a inclusão do
fortalecimento específico deste último, nos programas de reabilitação, como
forma de equilibrar as forças de translação tibial anterior e,
conseqüentemente, reduzir a tensão no LCA.
O
aumento da profundidade do agachamento acentuou bastante a diferença de
ativação do reto femoral, principalmente, em relação ao bíceps femoral, o que
pode indicar um desequilíbrio de forças, onde ocorre um aumento desproporcional
da força extensora em relação à flexora. Como a ação extensora do joelho tende a
provocar translação tibial anterior, não seria recomendável a utilização de
agachamentos profundos no pós-cirúrgico precoce de reconstrução do LCA devido à
maior demanda de torque exercida sobre o aparelho extensor durante os
exercícios de agachamento com o joelho flexionado além de 40°.
Os
resultados mostraram co-ativação entre os músculos reto femoral e bíceps
femoral nas posições de tronco fletido e joelho em flexão de 40° e, entre os
músculos reto femoral e sóleo, nas demais posições. Houve co-ativação entre o
tibial anterior e bíceps femoral com o joelho a 40°, com o tronco ereto e
fletido e, entre o tibial anterior e sóleo, nas demais posições. Quanto à
ativação muscular isolada, a maior flexão do joelho no agachamento foi um fator
determinante para maior ativação dos músculos, exceto para o sóleo. A posição
do tronco e a carga adicional de 10kg influenciaram a ativação muscular do reto
femoral, a 60° de flexão de joelho, na qual o tronco ereto proporcionou maior
ativação. E para o bíceps femoral, a 40° de flexão de joelho, na qual o tronco
flexionado proporcionou maior ativação. A co-ativação entre o reto femoral e o
bíceps femoral na posição de tronco fletido, e entre o reto femoral e o sóleo
nas demais posições, apontam para novas possibilidades de exercícios na
reabilitação.
Este
estudo teve um aspecto inovador, à medida que analisou a interação de vários
músculos das cadeias musculares anterior e posterior que atuam na estabilização
dinâmica da articulação do joelho em CCF, associando ao posicionamento do
tronco com e sem carga e a vários graus de flexão do joelho. Entretanto, o
estudo foi realizado em sujeitos sadios utilizando um posicionamento estático.
Assim, existe a necessidade de continuar os estudos com o propósito de se
estabelecer uma relação entre ativação muscular e a magnitude das forças de
translação tibial em condições de posicionamento dinâmico e incluindo sujeitos
com LCA deficiente, para que se possa validar a utilização destes achados em
programas de reabilitação.
Sousa CO, Ferreira JJA, Medeiros ACLV, Carvalho AH, Pereira RC, Guedes
DT, Alencar JF. Atividade eletromiográfica no agachamento nas posições de 40 o,
60 o e 90 o de flexão do joelho. Rev Bras Med Esporte. 2007; 13: 310-16.
Postado por: Dr. Rogerio Nascimento.
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