O Brasil nunca foi tão gordo. Os brasileiros com massa corpórea superior à considerada normal já somam 43 milhões – o equivalente a 43% da população adulta, quase três vezes mais do que o contingente de meados da década de 90. Por conseqüência, a quantidade de homens e mulheres em dieta para emagrecer também é enorme: um quarto deles e metade delas estão em luta contra a balança. É um público propenso a acreditar em regimes que se vendem como capazes de operar metamorfoses na silhueta do dia para a noite, sem prejudicar a saúde. Mas será que esse tipo de milagre existe? Passados trinta anos de ciência da nutrição, a resposta é "não". Hoje, o que se sabe com certeza são as razões pelas quais fracassam as dietas, em especial aquelas que prescrevem a redução ou a total privação de grupos alimentares. Elas fazem mal ao organismo e são insustentáveis no longo prazo. A melhor dieta é mesmo a do bom senso. Todos os alimentos podem ser consumidos, mas com parcimônia. A chave para ganhar a guerra do peso segue um raciocínio matemático elementar: a quantidade de calorias ingeridas por dia não pode ser maior do que a quantidade de calorias gastas no mesmo período. Simples assim!
A vitória do bom senso sobre a lei do menor esforço é resultado dos avanços científicos em três frentes: a própria ciência da nutrição, o estudo sobre o metabolismo humano e a fisiologia do esporte. A medicina já dispõe de instrumentos eficientes para determinar com precisão o equilíbrio calórico de cada um, levando em consideração sexo, idade, altura, peso e rotina de exercícios físicos.
Quando publicou, em 1825, a primeira obra sobre a relação do homem com a comida – o tratado de gastronomia A Fisiologia do Gosto –, o francês Jean Anthelme Brillat-Savarin antecipava que a causa da obesidade estava no excesso de açúcar e de amido nas refeições. Cristalizava-se, então, a idéia de que só os carboidratos engordavam. Essa concepção permaneceu mais ou menos intacta até a década de 70 do século passado, quando o governo americano, preocupado com o aumento alarmante nos índices de obesidade e doenças crônicas como o câncer, o diabetes tipo 2 e os distúrbios cardiovasculares, decidiu financiar estudos mais aprofundados sobre alimentação e saúde. Nascia, assim, a ciência da nutrição. Num primeiro momento, as pesquisas levaram a que se estabelecesse uma oposição inconciliável entre carboidrato e gordura. Daí surgiram as dietas que recomendavam a eliminação total de um ou de outro. A que mais angariou seguidores foi a do cardiologista Robert Atkins. Ele incentivava o consumo indiscriminado de gorduras e proteínas, ao mesmo tempo em que recomendava a abolição de carboidratos. O seu pressuposto – verdadeiro – é que, quando um organismo é privado de carboidratos, ele acaba queimando gordura para obter energia. Os adeptos de Atkins podiam comer à vontade carne, ovos, bacon, queijo amarelo e, mesmo assim, emagreciam. A questão é que a dieta do doutor Atkins pode fazer um grande mal a longo prazo, ao comprometer as funções hepáticas e renais. Para não falar dos riscos de entupimento arterial.
A verdade é que o corpo necessita tanto de carboidratos quanto de gordura e proteína. Sabe-se, ainda, que a alimentação muito escassa em carboidratos não é boa, porque leva à carência energética. Além disso, a glicose proveniente deles é o alimento preferido do cérebro – mantém funções como cognição e memória em estado de equilíbrio.
A única gordura que deve ser eliminada totalmente dos cardápios, sem a menor sombra de dúvida, é a trans – aquela das bolachas de pacote, dos sorvetes e dos lanches de fast-food. Acredita-se que, por ser uma gordura modificada quimicamente, o organismo não saiba como digeri-la a contento, ao contrário do que acontece com as gorduras vegetais e animais. O resultado é que o corpo a "guarda" na região abdominal, como se fosse um estoque inútil. "A gordura abdominal triplica o risco de infartos ou derrames, afeta o colesterol, aumenta em cinco vezes a probabilidade de diabetes e faz subir, em 30%, os riscos de câncer, em especial os de mama, útero e cólon", diz o cardiologista e nutrólogo Daniel Magnoni, do Hospital do Coração de São Paulo.
As descobertas sobre a gordura trans são o exemplo mais recente dos progressos na ciência da nutrição. Graças a elas, termos como colesterol, gordura saturada, poliinsaturada, monoinsaturada, polifenóis, aminoácidos, carotenóides, fibras e ômega-3, além da trans, ganharam destaque nas embalagens. Tudo muito favorável à saúde do consumidor. Mas é preciso tomar cuidado para não cair na "paranóia alimentar". Em um extenso artigo publicado recentemente na New York Times Magazine, cujo título é "Tristes refeições", o jornalista e escritor americano Michael Pollan alerta para o fato de que a comida se transformou numa extensão da farmácia. Sob a ótica do que ele chama de "nutricionismo", peixes e legumes transformaram-se única e exclusivamente em transportadores de nutrientes isolados. O salmão, por exemplo, parece ter virado um amontoado de ácido graxo ômega-3 – como se o peixe se resumisse a apenas isso. Já a carne vermelha foi vilanizada de tal forma que passou a ser vista como um passaporte para a UTI. Além de representar uma visão incompleta dos alimentos, perde-se, com isso, o prazer à mesa.
Na maior parte das vezes, há uma diferença entre as conclusões da ciência da nutrição e a forma como elas são divulgadas. "O nutriente, em tubo de ensaio, tem determinado poder. Mas o que conta é a sua interação com os demais nutrientes do mesmo alimento ou da combinação com outros", afirma o bioquímico Julio Tirapegui, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo. Apesar de todo o conhecimento acumulado até hoje, os estudiosos têm muito a descobrir nesse campo específico. Acostumou-se a divulgar que a dieta do Mediterrâneo, composta de azeite, vinho tinto, peixes e grãos, é de longe a mais saudável. Mas há que considerar, como alerta a nutricionista Marion Nestle, da Universidade de Nova York, que os estudos sobre as benesses desse tipo de alimentação foram feitos na década de 50, com os habitantes da ilha grega de Creta. Naquele tempo, eles se mantinham, sobretudo à custa de trabalho braçal no campo. Ou seja, exercitavam-se muito mais do que a média da população mundial. Essa população consumia, ainda, bem menos calorias do que as consumidas atualmente. E da sua dieta não faziam parte misturas com alimentos industrializados ou importados de outras partes do mundo.
Não se está, aqui, desmerecendo a dieta do Mediterrâneo. A intenção é deixar claro que não se pode radicalizar ou seguir certas recomendações às cegas, porque tudo depende das circunstâncias em que cada um vive. Quem comer como um habitante da Ilha de Creta na década de 50, nas quantidades habituais de hoje em dia, sem realizar grande esforço físico diário, provavelmente será apenas isto: um gordinho que faz a dieta do Mediterrâneo.
Também não está claro se a combinação desse regime com alimentos estrangeiros a ele surtiria um efeito positivo. Provavelmente, não. Outro equívoco comum diz respeito à eficácia dos suplementos alimentares.
Atualmente, para cada nutriente descoberto, cria-se um equivalente em cápsulas. As pesquisas mais sérias, porém, mostram que esses aditivos não têm serventia nenhuma. Se seus consumidores parecem mais saudáveis do que a média, os especialistas argumentam que isso não se deve aos suplementos, mas a uma questão comportamental: eles se cuidam mais, em todos os aspectos.
Descontados os exageros e interpretações errôneas, é fato que a alimentação constitui uma aliada e tanto na manutenção da boa saúde. Pode, inclusive, reverter e prevenir doenças. Das dez doenças que mais matam no mundo, cinco estão diretamente associadas a uma dieta de má qualidade: obesidade, infarto, derrame, diabetes e câncer, sobretudo o de mama, o de próstata e o de intestino. "Uma dieta com altas concentrações de óleos vegetais, grãos, sementes, gorduras na medida certa, frutas frescas e vegetais em abundância evita inflamações crônicas do organismo e, portanto, doenças arteriais", diz o cardiologista Carlos Alberto Pastore, do Instituto do Coração, de São Paulo.
Dito assim parece fácil. Quem já fez dieta uma vez na vida sabe que existem "forças engordativas", como define Alfredo Halpern, jogando contra o peso que se deseja atingir. Por uma questão de sobrevivência, o corpo humano foi programado para se rebelar contra o emagrecimento. "Há cerca de 3 milhões de enzimas e genes produzidos pelo organismo que o fazem querer engordar", explica ele. Essa característica remonta aos tempos de nossos ancestrais, quando a espécie vivia sob a égide da penúria alimentar – estocar gordura era uma forma de resistir a privações que podiam prolongar-se por dias. A boa notícia é que, quando uma dieta saudável passa a ser a rotina de todos os dias, o metabolismo se adapta à nova realidade. Mas isso só acontece se a perda de massa corpórea for gradual e o novo peso se mantiver pelo número de meses equivalente à quantidade de quilos perdidos. Ou seja, se alguém perdeu 6 quilos em uma dieta, é importante manter esse mesmo peso por seis meses. Descobriu-se que essa correspondência exata é essencial para que o metabolismo se adapte à silhueta mais enxuta – e a pessoa não caia num dos principais problemas de quem perde peso, o "efeito sanfona".
Ser gordo ou magro é uma questão muito mais complexa do que se imaginava até pouco tempo atrás. Uma série de fatores influencia o metabolismo de uma pessoa: entre eles, sexo, idade, composição corporal (quantidade de gordura e músculos) e nível de atividade física. Sabe-se que a velocidade do metabolismo diminui a partir dos 30 anos, caindo em média 2% por ano. Para não engordar, é nesse mesmo ritmo que se deve reduzir a ingestão de calorias. Para não falar, é claro, da necessidade de tentar acelerar o metabolismo via ginástica. "Com exercícios regulares, é possível dobrar o ritmo metabólico, mantendo-o 25% mais rápido por até dois dias consecutivos após a atividade física", diz o especialista em metabolismo Roberto Carlos Burini, da Universidade Estadual Paulista.
A realidade cotidiana conspira para que todos fiquem rechonchudos. A oferta de comida industrializada é uma brutalidade. No cardápio ocidental, estima-se, são introduzidos 17.000 novos produtos a cada ano. Muitos deles criam a miragem de que são saudáveis e que podem ser consumidos em grandes quantidades. Há desde carne de porco com baixos teores de gordura até salgadinhos de pacote livres de gorduras trans e macarrão com baixos índices de carboidratos. Claro que esse tipo de comida é melhor do que suas versões antigas. Mas está longe de ser sinônimo de poucas calorias. Só para se ter uma idéia, em que pesem as preocupações da indústria alimentícia, um americano ingere atualmente 2.700 calorias por dia, em média – cerca de 700 a mais do que consumia nos anos 70. Esse extra calórico veio sobretudo sob a forma de lanchinhos entre as refeições – muita batata frita, balas, bolachas e snacks. Além disso, o tamanho das porções consumidas no café-da-manhã, almoço e jantar aumentou escandalosamente – e não só nos Estados Unidos. Basta dar uma olhada nos pratos montados nos bandejões das empresas e nos restaurantes por quilo brasileiros. Comer certo não significa passar fome. Significa, apenas, comer menos e com mais qualidade.
A restrição calórica é capaz de aumentar a longevidade. Um dos exemplos mais fascinantes dessa relação vem da Ilha de Okinawa, no Japão. Lá, a expectativa média de vida é de 78 anos para os homens e 86 para as mulheres. Na tentativa de entender o que os levava a viver tanto, pesquisadores americanos deram início, em 1976, a um trabalho batizado de Estudo dos Centenários de Okinawa. A chave estava no prato de comida. Uma refeição típica de Okinawa – verduras, tofu, sopa de missô e um pouquinho de peixe ou carne – é menos calórica do que um hambúrguer pequeno. Os homens e as mulheres de Okinawa sabem a hora de cruzar os talheres. Eles nunca saem da mesa empanturrados, só comem até o limite de 80% do volume do estômago (porcentual atingido intuitivamente, é claro). Comer pouco e bem, essa é a melhor fórmula para manter-se saudável e esbelto.
Postado por: Suzana Gonçalves
Fonte: BUCHALLA, A.P. A ciência da nutrição
faz 30 anos. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/210307/p_062.shtml>
faz 30 anos. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/210307/p_062.shtml>
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